8 MILE - VOCÊ SÓ TEM UMA CHANCE 🎯
Nem todo perdido quer ser encontrado. Alguns só querem ser ouvidos.
“Se você tivesse uma oportunidade de aproveitar tudo que você sempre quis em um único momento. Você pegaria ou só deixaria escapar?”
Tem gente que espera a chance perfeita. O palco iluminado. O público certo. A roupa certa. O estado de espírito ideal. Jimmy não teve nada disso.
Só tinha um microfone e o próprio medo.
Ele morava num trailer sujo, na periferia fria de Detroit. Um bairro majoritariamente negro, onde ele era o estranho — o único branco tentando rimar.
A mãe era alcoólatra. Instável. Pagava as contas com o dinheiro do bingo.
Jimmy — ou B-Rabbit — passava o dia cortando chapas de metal numa fábrica automotiva. Dez horas por dia, uma vida que parecia mais uma sentença.
A única coisa de valor que ele tinha? Um maço de papel e uma caneta. Era ali que ele despejava tudo: dor, raiva, esperança.
Suas letras e rimas aliviavam seu estado mental, eram sua única fuga daquela vida miserável.
Seu melhor amigo, Future, sabia do seu potencial. Quando passavam pelas rodas de rima nos becos de Detroit, Rabbit fazia o impossível:
humilhava os veteranos
improvisava como um lunático
dominava o ambiente.
Ele tinha talento. Mas faltava a coisa mais difícil de todas: acreditar em si mesmo.
Future era organizador de uma batalha de rima famosa da periferia de Detroit, ele inscreveu B-Rabbit sabendo do seu talento com as palavras.
Na fatídica noite da batalha, Jimmy se encontrava cara a cara no espelho do banheiro.
Ele seria o próximo a entrar. Havia uma multidão do lado de fora, o ambiente era frio e intenso, tinha uma vibe indescritível.
As mãos dele estavam suadas, seus joelhos fracos, seus braços pesados. Ele havia acabado de vomitar na própria blusa, estava nervoso por dentro, mas, aparentemente, calmo e preparado por fora.
Ao abrir a porta do banheiro se deparou com uma luz intensa do palco, aos poucos sua visão foi se adaptando ao ambiente. Chegou o momento. Estava na hora do duelo.
Future apresentou seu amigo e o oponente. Logo após mandou o Dj soltar o beat. A galera estava acompanhando a melodia, o som do instrumental percorria os ouvidos de Jimmy.
Quando ele pegou o microfone para iniciar a batalha, seu coração acelerou. Ele começou a esquecer as rimas. A multidão toda gritou, ele abria sua boca, mas as palavras não saíam.
Ele começou a se engasgar com a própria saliva, não conseguia dizer uma única palavra. A plateia começou a vaiar e tirar sarro.
Ele não conseguiu, deixou o microfone cair no chão e saiu do palco como um covarde. A plateia não perdoou, começaram a gritar coisas que pegaram na ferida.
— Vai embora mesmo seu branquelo de merda, aqui não é o seu lugar. Leva essa seu cu branco de volta para o trailer da mamãe!
O começo da desilusão
Rabbit se sentiu um impostor no mundo do hip-hop.
Como ele queria ser um grande rapper se não conseguia nem participar de uma batalha de rima?
Como se apresentaria para milhões de pessoas se tremia apenas com dezenas?
Estava envergonhado. Qual era a imagem que ele passava para os outros? Era um operário qualquer de um fábrica onde só trabalhavam ex-presidiários e fracassados.
Sua mãe era uma coitada que não conseguia se sustentar por conta própria. Para melhorar ainda mais as coisas ela estava saindo com um pé-rapado chamado Greg que havia estudado com Jimmy no ensino médio.
Ele era um alcoólatra que estava esperando receber uma indenização do governo. Sua mãe abalada não ligava para isso, apenas queria o sustento que ele provinha de vez em quando.
Rabbit estava no fundo do poço, mas ele se conhecia muito bem, isso não importava, ele não ia desistir tão fácil. Ele sabia disso, sabia que estava sem grana, sabia que estava ferrado, sem casa, sem carro.
Ele foi mastigado, cuspido e vaiado para fora do palco.
Mas continuou escrevendo, continuou rimando e foi levando sua vida.
Uma nova luz no fim do túnel
E então ela apareceu. Eles se esbarraram na porta da fábrica. E por um instante, tudo parou
Alex era diferente. Não pelo que dizia, mas pelo jeito que olhava pra ele — como se visse algo que nem ele conseguia enxergar.
Ela era ambiciosa, impaciente, mas também quebrada como ele. Foi ela quem o encorajou a voltar. Não com discursos bonitos. Com um tapa na cara.
— Você é bom demais pra ficar cortando chapa.
Rabbit não tinha coragem de arriscar. Mas essa mulher ascendeu a sua chama interior. Foi um mix de sentimentos: paixão, desespero, medo, vergonha, esperança.
Alex trouxe a tona o amor genuíno de sua vida — o RAP.
Ele voltou a escrever seus rascunhos, começou a transcrever suas ideias para letras. Contatou seu amigo Future para participar de batalhas menores para recuperar sua autoestima.
Suas rimas fluíam como uma correnteza serena. As palavras se encaixavam com perfeição. Ele ainda permanecia no mesmo buraco imundo de antes.
Mas estava se doando de verdade com o hip-hop.
E parece que quando se trabalha duro a sorte bate na porta. Algumas semanas depois do desastre na batalha de Future, um velho colega bateu na porta de Rabbit.
Wink, um conhecido do bairro veio atrás dele com uma proposta irrecusável. Sabia do talento daquele branquelo.
Estava propondo para fazer uma entrevista em uma das maiores gravadoras de Rap de Detroit — ele tinha alguns conhecido lá dentro e precisavam de novos talentos para continuar expandindo sua influência musical na cidade.
Wink sabia que Jimmy era um dos mais talentosos improvisadores que conhecia, apesar de travar nas batalhas de rima.
Rabbit não hesitou, aceitou o convite. Teria que se apresentar daqui dois dias.
Essa era uma chance única de mudar sua vida e começar sua carreira musical. Ele sabia que estava preparado, mas o medo o assolava. E se travasse na frente daqueles executivos?
Muitas coisas estavam em jogo, ele sabia disso. O que ele não sabia era que Alex também estava fazendo contatos com Wink para uma revista de moda.
Seu velho conhecido era uma bom falastrão, e também havia conseguido uma entrevista para ela na tal empresa.
A chance de sua vida
Os dois dias e as duas noites se passaram, Jimmy havia treinado para valer.
Suas rimas saíam naturalmente
Suas letras estavam fluídas
Sua mente inabalável.
Ele iria conseguir impressionar aqueles homens da gravadora.
Wink se disponibilizou para levá-lo até lá. No caminho passaram para pegar Alex, que também se apresentaria no mesmo dia.
B-Rabbit antes de ir para a gravadora passou na casa de seu amigo Future para contar a notícia, enquanto Wink levou Alex até o prédio da revista.
Quando Jimmy veio falando sobre a gravadora, Future ficou desconfiado, pois sabia que Wink era um cara duvidoso. Mas apoiou o amigo.
Após um bom tempo conversando, Rabbit pegou um ônibus em direção à gravadora. No caminho foi escrevendo trechos de suas letras que seriam cantadas quando chegasse.
A tinta da caneta se esvaia pelo pedaço de papel, suas ideias estavam coesas. Era como poesia rimada.
Ao chegar na recepção da gravadora solicitou sua entrada na reunião marcada.
Por incrível que pareça não era só papo do Wink, ele realmente havia conseguido que Jimmy se apresentasse para os chefes de lá.
— A sala dos executivos é dois andares acima senhor, basta pegar o elevador e ir até o final do corredor. É a última porta.
Ele subiu os dois andares e foi adentrando no corredor.
Cada porta que passava, via pela fresta algum artista diferente. Muitos rappers famosos estavam ali gravando suas músicas ou participando de algum podcast.
Rabbit estava fascinado, se viu no lugar desses cantores.
Foi percorrendo o corredor mais e mais, já avistava a última porta com uma placa escrita: “apenas com hora marcada”.
Mas antes que pudesse chegar à sala do executivo, avistou uma sombra dentro de uma sala escura.
Era um quarto que inibia o som de dentro para fora, justamente para as gravações.
Quando encostou a cara no vidro ele percebeu um semblante conhecido, era Alex? Mas como podia ser, se ela estava na entrevista da revista.
Ao abrir a porta se deparou com uma cena que ele jamais gostaria de ter visto. Ele não precisou de mais que três segundos pra entender tudo.
Não disse nada, ficou atônito.
A mulher que acendeu sua chama no hip-hop e o colega que havia lhe dado uma força para conseguir uma carreira musical estavam… Ele mal conseguia finalizar o pensamento.
Rabbit caminhou devagar até ele, parou a um palmo de distância e acertou um soco seco, direto no queixo. Depois outro. E outro.
Ele estava ofegante, mas não era raiva. Era dor. Era a última peça da ilusão desmoronando.
Ele encarou Alex por dois segundos.
Ela tentou cobrir o corpo com uma cortina.
Ele não disse nada, virou as costas, e saiu da sala.
A única sensação de esperança que ele tinha foi machucada profundamente.
Depois do que viu, não teve forças para ir na entrevista, perdeu a chance dos seus sonhos, mas não tinha cabeça para entrar lá.
Ele saiu do prédio e voltou para o trailer de sua mãe. Sentou na porta e ficou lá, imóvel. Nada do que ele almejava e planejava fazer dava certo.
Sempre que tinha um mísero suspiro de esperança era jogado contra a parede. Talvez essa ideia de ser rapper não fosse para ele.
Talvez ele estivesse destinado a ser um simples operário até o final de sua vida, como muitos de seus colegas da fábrica.
Durante esse turbilhão de pensamentos uma caminhonete preta se aproxima do trailer.
A porta se abre e de lá saem 8 homens com cara fechada. Um deles era Wink com a cara toda machucada. Rabbit sabia o que estava por vir, ele nem hesitou em fugir, já não tinha forças para isso.
Os 8 homens se intitulavam “Free Worlds”, eram amigos de Wink que contou para eles da surra que havia levado.
Eles pegaram Jimmy e lhe espancaram. Um dos homens que estavam batendo em Jimmy se chamava Papa Doc, ele sacou uma pistola e apontou em sua testa.
Wink ao ver isso pediu para que parasse, não era necessário. A surra já estava de bom tamanho, ele tinha aprendido a lição.
Os homens se afastaram e deixaram ele estirado na rua em frente ao trailer. Todo ensanguentado com hematomas por todo o corpo. Esse foi mais um golpe duro para Rabbit, se ele iria superar? Não era certeza.
O desfecho de uma pessoa abalada
Alguns dias se passaram.
Jimmy mal conseguia andar direito. O rosto ainda inchado, o corpo coberto de hematomas. Dormia no sofá do trailer da mãe, que fingia não ver a dor dele — não por frieza, mas por estar tão quebrada quanto o filho.
Não escrevia.
Não rimava.
Só existia.
Até que uma batida na porta do trailer quebrou o silêncio. Era Future:
— E aí, mano... Tem batalha hoje à noite.
— Não tô nessa, Future.
— Você precisa disso. Não por mim cara. Mas por você.
Rabbit olhou pro amigo. Viu nos olhos dele algo que já tinha esquecido: respeito. Future ainda acreditava nele, mesmo depois de tudo.
Ele hesitou. Mas algo dentro dele pulsava. Não era só raiva.
Era orgulho ferido, fome, dor e verdade. Era tudo aquilo que a arte exige.
E tudo aquilo que ele já tinha em excesso.
Então a noite caiu, o galpão onde as batalhas aconteciam estava lotado. Mais cheio do que nunca. O grupo dos Free World, liderado por Papa Doc, dominava tudo. Ninguém conseguia vencê-los.
Future chamou Rabbit para o palco. O público ficou em silêncio, todo mundo sabia da surra. Da traição. Do fracasso na gravadora. Rabbit era motivo de piada na cidade.
Mas ele subiu no palco assim mesmo. Pegou o microfone. Mãos trêmulas. Mas os olhos, firmes. Respirou fundo.
Papa Doc atacou primeiro:
zombou das roupas rasgadas
da cara inchada
da mãe promíscua
do fracasso na batalha anterior
da fábrica
da traição
da cor da pele
Tudo.
A plateia riu e aplaudiu Papa Doc.
Mas aí chegou a hora de Rabbit.
Um silêncio absurdo se instaurou, como se o galpão estivesse vazio.
Ele ficou alguns segundos olhando para o chão. O microfone na mão, como se estivesse pesando uma tonelada. Será que iria amarelar de novo? Depois, ergueu o rosto. E começou:
Sim, eu sou branco.
Sim, eu moro num trailer com a minha mãe.
Sim, eu fui traído por uma vadia e tomei uma surra de uns oito caras.
Sim, eu perdi minha chance de ouro.Mas quer saber?
Eu tô aqui.Eu não fugi.
Eu não me escondi.
Eu vim com a cara inchada rimar pra vocês.Nunca me julgue, você não sabe o que eu já vivi
E quer saber mais?
Clarence ... o tal do Papa Doc... estudou numa escola particular.
Vive numa casa com dois andares.
O pai dele é um médico.Ele se veste como gangsta, fala como se tivesse vindo do gueto,
Mas é tudo fachada.
Eu posso ser fodido, mas sou de verdade.Foda-se o Papa Doc, foda-se o beat, foda-se o trailer, foda-se todo mundo.
Fodam-se vocês também que duvidaram de mim.
E foda-se essa batalha, eu não quero vencer.
Ei Papa Doc, diga a essas pessoas algo que elas ainda NÃO SABEM SOBRE MIM.
O lugar explodiu, a plateia foi à loucura, Papa Doc nem precisou pegar no microfone, ele ficou calado, abaixou a cabeça e saiu do palco derrotado.
Rabbit venceu, não só a batalha, mas a si mesmo, venceu o medo, a vergonha, a dúvida.
Naquela noite, ele não ganhou um troféu, mas conquistou o respeito, dos amigos, dos inimigos e, principalmente, de SI PRÓPRIO.
Pela primeira vez, ele não fugiu, ficou, encarou todos e cuspiu sua verdade no microfone.
Detroit inteira viu nascer um novo nome, um cara que veio do lixo, mas que tinha algo que ninguém ali podia comprar: AUTENTICIDADE.
Sabia que, dali pra frente, ia trilhar o próprio caminho, sozinho, com o rap na alma e a cabeça erguida.
Se despediu de Future com um aperto de mão firme e saiu andando, com o capuz cobrindo metade do rosto, o sol ainda não tinha nascido, mas pra ele o dia já estava vencido.
E ali, no silêncio da própria mente, a batida começou a tocar:
(You better lose) yourself in the music
The moment, you own it, you better never let it go (go)
You only get one shot, do not miss your chance to blow
This opportunity comes once in a lifetime, yo
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